segunda-feira, 19 de novembro de 2012

INDÚSTRIA CULTURAL, CULTURA INDUSTRIAL.




O grande debate sobre a indústria cultural gira, sempre, ao redor de questões de ética: os produtos da indústria cultural são bons ou maus para o homem, adequados ou não ao desenvolvimento das potencialidades e projetos humanos? Por mais que se diga ser simplista a colocação do problema em termos de "bom" ou "mau", é assim que ele se colocou desde o início e é sob esse ângulo que as pessoas ainda o encaram.

Indústria cultural, meios de comunicação de massa, cultura de massa.


Uma porta de entrada para o assunto pode ser o das relações existentes entre a "indústria cultural", os "meios de comunicação de massa", e a "cultura de massa", expressões hoje comuns e que fazem parte obrigatória de todo discurso sobre esta área.


Vejamos as relações entre "meios de comunicação de massa" e "cultura de massa". Tal como esta é hoje entendida, para que ela exista é necessária a presença daqueles meios; mas a existência destes não acarreta a daquela cultura. A invenção dos tipos móveis de imprensa, feita por Gutenberg no século XV, marca o surgimento desses meios — ou, pelo menos, do protótipo desses meios.



A indústria cultural só iria aparecer com os ' primeiros jornais. E a cultura de massa, para existir, além deles exigiu a presença, neles, de produtos como o romance de folhetim — que destilava em episódios, e para amplo público, uma arte fácil que se servia de esquemas simplificadores para traçar um quadro da vida na época (mesma acusação hoje feita às novelas de TV).

Não se poderia, de todo modo, falar em indústria cultural num período anterior ao da Revolução Industrial, no século XVIII. Mas embora esta Revolução seja uma condição básica para a existência daquela indústria e daquela cultura, ela não é ainda a condição suficiente. É necessário acrescentar a esse quadro a existência de uma economia de mercado, isto é, de uma economia baseada no consumo de bens; é necessário, enfim, a ocorrência de uma sociedade de consumo, só verificada no século XIX em sua segunda metade — período em que se registra a ocorrência daquele mesmo teatro de revista, da opereta, do cartaz. Assim, a indústria cultural, os meios de comunicação, de massa e a cultura de massa surgem como funções do fenômeno da industrialização. É esta, através das alterações que produz no modo de produção e na forma do trabalho humano, que determina um tipo particular de indústria (a cultural) e de cultura (a de massa), implantando numa e noutra os mesmos princípios em vigor na produção econômica em geral: o uso crescente da máquina e a submissão do ritmo humano de trabalho ao ritmo da máquina;a exploração do trabalhador; a divisão do trabalho. Estes são alguns dos traços marcantes da sociedade capitalista liberal, onde é nítida a oposição de classes e em cujo interior começa a surgir a cultura de massa. Dois desses traços merecem uma atenção especial: a reificação (ou transformação em coisa: a coisificação) e a alienação. Para essa sociedade, o padrão maior de avaliação tende a ser a coisa, o bem, o produto; tudo é julgado como coisa, portanto tudo se transforma em coisa — inclusive o homem.


Cultura superior, cultura média, cultura de massa


Um dos caminhos, para se entrar nessa discussão, é o aberto por Dwight MacDonald que fala na existência de três formas de manifestação cultural: superior, média e de massa (subentendendo-se por cultura de massa uma cultura "inferior"). A cultura média, do meio, é designada também pela expressão midcult, que remete ao universo dos valores pequeno-burgueses; e a cultura de massa não é por ele chamada de mass culture mas sim, pejorativamente, de masscult— uma vez que, para ele, não se trataria nem de uma cultura, nem de massa.

Não é difícil saber o que abrange o rótulo cultura superior: são todos os produtos canonizados pela crítica erudita, como as pinturas do Renascimento, as composições de Beethoven, os romances "difíceis" de Proust e Joyce, a arquitetura de Frank Lloyd Wright e todos os seus congêneres. Também não é complicado identificar os produtos da midcult: são os Mozarts executados em ritmo de discoteca; as pinturas de queimadas na selva que se pode comprar todos os domingos nas praças públicas; os romances de Zé Mauro de Vasconcelos, com sua linguagem artificiosa e cheia de alegorias fáceis, daquelas mesmas que as escolas de samba fazem desfilar todos os anos na avenida; as poesias onde pulula um lirismo de segunda mão e de chavões; as fachadas das casas que, pelo interior adentro, reproduzem, desbastada-mente, o estilema (isto é, o traço central do estilo) do Palácio da Alvorada.

Já quando se tenta catalogar os produtos típicos da masscult, a facilidade não é a mesma. Antes de mais nada, há um equívoco em que geralmente se incorre: o fato de a cultura fornecida pelos meios de comunicação de massa (rádio, TV, cinema) vir comparada com a cultura produzida pela literatura ou pelo grande teatro, quando deveria ser relacionada com a cultura proveniente desses outros grandes meios de comunicação de massa que são a moda, os costumes alimentares, a gestualidade, etc. Superada essa barreira, surgem as outras dificuldades. Por exemplo, nos anos vinte e trinta, as histórias em quadrinhos puderam ser classificadas, por MacDonald e seus amigos, como sendo um produto típico da masscult. Hoje esse conceito não é tão pacífico assim. Muitos dos que conheceram Flash Gordon ou Little Nemo (mais recentemente: Jacovitti) não aceitam o rótulo de masscult para esses produtos, embora reconheçam que ele vai muito bem para coisas como Batman e Pato Donald. De igual modo, se mesmo fãs das telenovelas reconhecem seu caráter degradado, os admiradores do rock jamais chamariam de masscult uma forma musical que já teve um caráter contestatório.


Cultura popular e cultura pop


Foi dito que a oposição entre cultura superior e de massa é considerada imprescindível para a caracterização da indústria cultural. Mas parece inevitável, também, que se estabeleça um confronto entre a cultura de massa e a cultura popular — propondo-se entre ambas um relacionamento de subordinação e exclusão quando, na verdade, deveriam ser entendidas em termos de complementação. É que muitos não conseguem entender que a cultura popular é uma das fontes de uma cultura nacional, mas não a fonte, não havendo razão para usá-la como escudo num combate contra a cultura de massa, dita também cultura pop (denominação que se pretende pejorativa). Para esses, a cultura popular (a soma dos valores tradicionais de um povo, expressos em forma artística, como danças e objetos, ou nas crendices e costumes gerais) abrange todas as verdades e valores positivos, particularmente porque produzida por aqueles mesmos que a consomem, ao contrário do que ocorre com a pop. Este traço da produção pelo próprio grupo (caracterizando o valor de uso da cultura) é positivo — mas insuficiente para justificar a defesa da popular contra a pop.


Funções da cultura de massa; a cultura industrializada


O quadro da indústria cultural acima esboçado já inclui algumas das funções exercidas por ela através de seu produto que é a cultura de massa. No entanto, considerando-se que o núcleo do discurso acusatório contra a indústria cultural está ocupado pelo problema da alienação provocada em seus "clientes", cabe percorrer brevemente alguns dos principais efeitos mais propriamente sociais da cultura de massa.


Assim, e partindo do pressuposto (aceito a título de argumentação) de que a cultura de massa aliena, forçando o indivíduo a perder ou a não formar uma imagem de si mesmo diante da sociedade, uma das primeiras funções por ela exercida seria a narcotizante, obtida através da ênfase ao divertimento em seus produtos. Procurando a diversão, a indústria cultural estaria mascarando realidades intoleráveis e fornecendo ocasiões de fuga da realidade. A expressão "manobra de diversão" não significa exatamente uma manobra de desviar do caminho certo? O divertimento, nessa moral empedernida defendida muitas vezes por pessoas curiosamente ditas libertárias, apresenta-se assim como inimigo mortal do pensamento, cujo caminho seria supostamente o da seriedade. A este assunto se voltará no próximo capítulo.

Por outro lado, com seus produtos a indústria cultural pratica o reforço das normas sociais, repetidas até a exaustão e sem discussão. Em conseqüência, uma outra função: a de promover o continuismo social. E a esses aspectos centrais do funcionamento da indústria cultural viriam somar-se outros, conseqüência ou subprodutos dos primeiros: a indústria cultural fabrica produtos cuja finalidade é a de serem trocados por moeda; promove a deturpação e a degradação do gosto popular; simplifica ao máximo seus produtos, de modo a obter uma atitude sempre passiva do consumidor; assume uma atitude paternalista, dirigindo o consumidor ao invés de colocar-se à sua disposição.

Do lado da defesa da indústria cultural está inicialmente a tese de que não é fator de alienação na medida em que sua própria dinâmica interior a leva a produções que acabam por beneficiar o desenvolvimento do homem. A favor desta idéia lembra-se, por exemplo, que as crianças hoje dominam muito mais cedo a linguagem graças à veículos como a TV — o que lhes possibilitaria um domínio mais rápido do mundo. Citam-se ainda exemplos como o da moda, já abordado, capaz de a longo prazo promover alterações positivas no comportamento moral, ético, dos indivíduos.


A indústria cultural aceita bem ambos esses tipos de argumentação, aquele a favor e o contrário. Na verdade, a determinação dos poderes reais de alienação ou revelação através dessa indústria só é possível mediante uma análise mais profunda e sistematizada como a que se indicará no próximo capítulo.


Seria conveniente propor também que, ao invés de cultura de massa, essa cultura fosse designada por expressões como cultura industrial ou industrializada.


Fonte:/Livro Teixeira Coelho o que é Indústria Cultura, editora brasiliense.



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